Numa altura de eleições no meu clube, espero que se rompa com a tendência elitista e Monárquica instituída desde os tempos do Roquete e se volte ao tempo de Presidentes apaixonados pelo clube, como foi o caso de Sousa Cintra.
José de Sousa Cintra foi presidente do Sporting Clube de Portugal entre 1 de Julho de 1989 e 2 de Junho de 1995, marcou o clube e o futebol Português com o seu jeito castiço e apaixonado pelo clube que queria ver campeão mais do que tudo na vida.
Quando comecei a ver o futebol mais a sério, era ele o presidente e continuou a sê-lo durante o período em que eu ainda andava na escola, e por isso ainda vivia mais intensamente tudo a ver com o clube. Era o rosto do clube e aquele que aparecia nas primeiras páginas, sempre envolvido em histórias mirabolantes devido à sua paixão pelo clube, ou cómicas, devido ao seu jeito castiço de ser.
Veio de uma família humilde, nascendo a 26 de Outubro de 1944 na Raposeira, Algarve onde começou a trabalhar muito novo e onde aprendeu a ter o seu negócio próprio, vendendo caracóis a vários estabelecimentos e juntando assim dinheiro para viajar para Lisboa. Aos 15 anos trabalhou com ascensorista no Hotel Tivoli e a vender aguarelas, algo que lhe rendeu muito dinheiro e ajudou a construir uma pequena fortuna. Passou 4 anos na Marinha, onde se tinha voluntariado, e viu o 25 de Abril de 1974 com alguma preocupação, já que lhe foram expropriado alguns bens. Não baixou os braços e voltou a se dar bem nos negócios, especialmente nos ramos das águas.
O seu clube do coração vivia uma crise grave com as acções do seu presidente Jorge Gonçalves, e quando este teve que abandonar o Sporting, Sousa Cintra decidiu candidatar-se e mesmo com apenas 6 dias de campanha venceu uma das mais eleições mais participadas do clube, com mais de 60% de votos dos sócios, batendo assim os outros três concorrentes.
A sua presidência (apesar da não conquista de títulos) nunca foi alvo de grande oposição e nas eleições de 1991 e 1993, ele foi reeleito sem oposição directa. Ele era um Presidente popular, talvez por romper com a tradição aristocrática do clube e mostrar o outro lado dos associados deste grande clube. Foram 6 anos de altos e baixos, onde apesar do bom futebol e de grandes plantéis, não existiam conquistas pela equipa principal de Futebol, apesar do investimento feito pelo presidente em quase todos os anos à frente do clube.
Ele começou por segurar Luís Figo e Emílio Peixe numa altura que se falava na saída deles, começou a contratar alguns bons nomes do futebol nacional, europeu ou africano, muitos deles titulares nas suas selecções e construindo assim um plantel que teria o seu expoente máximo nas equipas entre 1992 e 1994.
Mas o homem sabia que o Sporting não era só futebol, e foi um dos maiores responsáveis pelo sucesso em outras modalidades, numa altura em que essas também eram apoiadas e amadas pelos associados. Numa altura em que os grandes nomes ameaçavam abandonar o clube, ele travou essas saídas e levou a que recuperassem a hegemonia no corta-mato (com 6 Taças Campeões Europeus consecutivas), fossem tri-campeões no Voleibol, conquistou a Taça das Taças em Hóquei em Patins e começou a construir uma hegemonia no Ténis de Mesa que se manteve durante anos.
Lembro-me de comprar às Terças Feiras o Jornal do Clube e de ler sempre sobre essas conquistas, apesar de na modalidade principal as mesmas serem escassas. Mas ele aparecia sempre com grande ânimo e moral com chavões como “este ano é que é” e com contratações quase sempre sonantes. Foi buscar treinadores como Manuel José, Marinho Peres, Bobby Robson ou Carlos Queirós, e jogadores como Ivkovic, Balakov, Amuneke, Naybet, Valckx, Juskowiak, Paulo Sousa entre tantos outros e jovens promessas como Cherbakov, Filipe, Capucho, Nelson, Costinha ou Sá Pinto.
Era conhecido por perder a paciência facilmente com os treinadores, e substituir estes apesar de até estarem a ter bons resultados só por causa de um mau resultado ou uma má exibição. O maior exemplo disso veio com a despedida do Inglês Bobby Robson, que tinha a equipa nos primeiros lugares do campeonato e foi despedido após uma exibição fraca na Europa, sendo substituído por Carlos Queirós com o qual o presidente esperava conseguir bons resultados já que o plantel era bastante jovem e tinha algumas das estrelas da selecção orientada pelo Professor.
Apesar das boas exibições com o Professor ao leme da equipa, não se conseguiu nenhuma conquista e começaram a aparecer diversos problemas no plantel pelo desentendimento entre o treinador e algumas das estrelas da equipa. Era algo já comum nas equipas de Sousa Cintra, bom futebol, algumas boas exibições mas nunca se conseguia conquistar nada no futebol, com Marinho Peres e Manuel José chegamos a ir longe na Taça Uefa mas ficou-se por aí.

Fora do campo o Presidente ia sempre marcando pontos com os sócios, no verão quente roubou Paulo Sousa e Pacheco ao rival Benfica e viu escapar por um triz João Vieira Pinto (algo que acabaria por ser fatal ao clube).
Tinha um discurso humilde e apaixonado, sem problemas em comprar guerras com os rivais ou as instituições que mandavam no futebol. Tinha uma chama e paixão a defender o clube que conquistava tudo e todos e que lhe trazia simpatia por qualquer adepto do futebol.
Foi uma pena ver que nos últimos tempos apoiou as direcções do clube que fizeram caminhar o clube para a ruína desportiva e financeira, para além de nunca terem demonstrado a paixão que ele demonstrou pelo clube. Lembro-me de também nem sempre ser rodeado pelas melhores pessoas no clube, que ajudaram inclusive a destruir um pouco a sua imagem, e de ser mal aconselhado, das entrevistas onde ficava a falar de um modo entusiasmado chamando jogadores simples de “novos Eusébios” (no caso do Careca) ou prometendo logo o título no começo do ano.
A entrevista a uma rádio onde joga uma garrafa de água pela janela do carro (que estava fechada) também foi alvo de chacota, mas ao mesmo tempo comprovava o seu ar castiço e que deixava com que as pessoas relevassem estes pequenos percalços. Não me importava de ter de novo um presidente assim,.