A Gaiola Aberta foi mais uma daquelas revistas que muitos leram às escondidas, e será sobre ela que hoje irei falar. Da autoria de José Vilhena, foi a primeira a aparecer nos quiosques e papelarias pós 25 de Abril.
No dia 15 de Maio de 1974, passado apenas 21 dias da revolução que mudou para sempre Portugal, chegava às bancas a primeira edição da revista Gaiola Aberta. A rapidez com que esta publicação chegou aos quiosques não foi de estranhar, considerando que o autor da mesma foi um dos (muitos) artistas que sofria com a censura da PIDE, o cartunista José Vilhena.
Vilhena tinha já várias obras publicadas, mas quase todas elas de forma secreta devido a ser um dos maiores críticos do estado novo e também pelo teor de alguns dos seus cartoons, embora estes não fossem pornográficos. Colaborador activo de publicações como o Diário de Lisboa, Vilhena não podia ali dar azo à sua veia de artista erótico, algo que fez na perfeição nesta revista, onde podíamos encontrar políticos do antigo regime, ou os novos que apareciam, com muita ou pouca roupa, em poses obscenas ou simplesmente bem divertidas e que fizeram assim as delícias de muito.
Não era só de política que vivia a revista, o sucesso estava também nas meninas de mamas ao léu que podíamos encontrar lá dentro, fosse em forma de cartoon fossem fotos de mulheres desnudadas. Isto a acompanhar artigos os quais não percebíamos nada nem nos interessava muito. Uns procuravam a parte sexual, outros a parte cómica da revista.
Portugal podia assim rir de uma forma “livre”, vendo os rostos que conhecia em poses nunca antes vistas. O autor rapidamente escolheu uns alvos de eleição, Spínola, Soares, Álvaro Cunhal e Sá Carneiro foram dos políticos que mais apareceram nas capas e nos cartoons no seu interior. Vilhena não escondia uma predilecção por Soares, e ficou contente quando recebeu um dia uma chamada do conselho de Minstros avisando que o Dr Soares era fã das caricaturas e pedia para lhe fornecer umas quantas cópias.
O poder de encaixe de alguns dos visados pode até surpreender, mas decerto que muitos não achavam piada e a nossa sociedade, ainda muito puritana e católica, muitas vezes criticava a crítica excessiva ao clero e as poses menos próprias de personalidades importantes do nosso Portugal. Essa crítica devia-se sobretudo ao facto do artista nunca ter aceite a conivência que a igreja católica teve com a ditadura, e não tinha pudor em retratar isso nos seus cartoons.
Numa edição quinzenal, Vilhena mostrava ter um ritmo de trabalho alucinante, já que ele escrevia, desenhava, editava e distribuía as revistas, e estas chegavam a tempo e em bom número às bancas, tornando-se um raro caso de sucesso nas publicações deste género. Preso pela PIDE em 3 ocasiões, foi com algum à vontade que escreveu o seu primeiro editorial que aqui transcrevo um pequeno trecho:
“Faltam-me as palavras justas para descrever o que, de há uns tempos para cá, se passa nesta rejuvenescida República, onde as pessoas parecem outras, bem dispostas, conversadoras e desinibidas… inclusive as que estão um pedaço (e compreensivelmente) à rasca, mas que fazem os possíveis por disfarçar e integrar-se na grande e florida festa do povo.”
Era assim que o antigo estudante de arquitectura encarava as coisas, foi dessa forma que editou as suas obras nos anos 50 e 60, fintando a PIDE e conseguindo colocar em alguns quiosques alguns livros que diziam o que lhe ia na alma. E foi também assim que continuou a publicar revistas do género depois do término da Gaiola, como o Cavaco ou a Moralista, até que a doença o deixou de poder continuar a espelhar o que sentia e atirou-o para um lar em Lisboa aos 86 anos de idade.