Não há quem não se lembre da Dona Branca e do seu esquema de juros mensais a 10%, que começou o seu negócio na década de 50 mas que só ficou conhecida de todos os portugueses nos anos 80, depois de uma entrevista que deu ao jornal Tal e Qual.
Maria Branca dos Santos nasceu em 1902 em Lisboa, sabendo-se apenas que cresceu numa família pobre e que nem completou a instrução primária. Apesar disso, mostrou sempre ser uma pessoa muito sagaz e inteligente, com especial apetência para a matemática e gestão empresarial. Começou muito nova a mexer com dinheiro, ficando com o das Varinas que lhe davam depois uma pequena gratificação.
Num país de grande pobreza e dominado por um regime ditatorial, Dona Branca começou o seu negócio clandestino nos anos 50, explodindo na década de 70 com o crescimento do número de desempregados, e ainda o aumento de preço dos bens essenciais e dos impostos que levaram a que muitas famílias portuguesas entrassem em sérias dificuldades.
Foi por isso normal que esta espécie de banco particular começasse a ganhar cada vez mais adeptos, apesar de basicamente ser mais um esquema de pirâmide. O cliente X depositava 20 euros num dia, e quando no dia seguinte o cliente Y depositava outros 20 contos, 2 iam logo para o cliente X, ganhando assim os juros mensais que batiam em larga escala os da banca tradicional (na altura 30% ao ano). Como os clientes nunca levantavam a totalidade dos seus depósitos, existia um grande fundo de maneio.
O seu carisma, sinceridade e o facto de vir e conhecer as dificuldades de famílias pobres, fizeram com que ficasse conhecida como Banqueira do Povo, nome utilizado anos mais tarde para uma telenovela da RTP, baseada na sua história. Os clientes eram tantos que as filas que se formavam no seu escritório em Alvalade chamavam tanto a atenção, que ela começou a abrir escritórios em várias zonas, confiando em familiares e amigos próximos que chamava muitas vezes de “sobrinhos” e “afilhados”.
O problema é que nem todos eram pessoas honestas, e o dinheiro fácil aliciava a que tentassem extorquir algum para os seus negócios ilícitos, feitos a revelia da Dona Benta. Quando aparecia alguém a investigar, subornava-se e a coisa ficava por ali. Mas o negócio crescia cada vez mais, e a agiota caiu na tentação de um jornalista do Tal e Qual, que a aliciou para uma entrevista que iria ajudar a colocar o seu nome nas bocas de todos os Portugueses.
Entidades oficiais começaram então a investigar e isso despertou medo na clientela que foi acentuando quando o ministro das finanças, Ernãni Gonçalves, foi mostrar os seus receios na estação pública e quando uma reportagem no Jornal de Notícias colocou a nu as fragilidades do negócio da banqueira.
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Eunice como dona Benta |
Quando quase todos os clientes apareceram para levantar o seu dinheiro começaram as dificuldades, pioradas quando alguns dos seus colaboradores desataram a fugir com o dinheiro dos escritórios, deixando a velha senhora numa situação complicada, passando milhares de cheques, sendo que centenas deles foram sem provisão, prejudicando todo o processo.
Foi presa em 1984, num processo longo que só terminou em 1990, quando foi condenada a dez anos de prisão, num dos casos mais mediáticos do nosso país e que ganhou fama além fronteiras e tudo. Por ter já uma idade avançada e saúde debilitada, viu a sua pena reduzida e acabou os seus dias num lar sozinha, cega e abandonada, morrendo a 3 de Abril de 1992.
Eram feitas diversas paródias baseadas na sua história, com destaque para Ivone Silva em diversos programas de variedades e Eunice Munoz na novela da RTP. Para além disso, passou-se a utillizar o termo Dona Branca para identificar outros casos de agiotagem. Quem se lembra?