Já falei do programa que deu notoriedade a Vasco Granja, podem ler aqui, mas hoje recordo o homem, o comunicador, uma das personalidades mais marcantes do nosso país.
Vasco de Oliveira Granja nasceu a 10 de Julho de 1925, em Lisboa (Campo Ourique), e o gosto pela animação e BD foi cultivado desde muito cedo, com o pai a oferecer-lhe as revistas de banda desenhada que existiam nessa altura, e com as quais ele aprendeu a ler. Numa altura em que não existiam classificações etárias, os pais de Vasco Granja faziam questão de o levar ao cinema, e incutir assim desde cedo também a paixão por esta forma de arte.
Decidiu sair de escola muito cedo, começando a trabalhar nos Armazéns do Chiado com apenas 15 anos. Quando notaram como era a sua caligrafia, passou para o departamento de publicidade, tratando dos anúncios e cartazes da empresa. Mesmo a trabalhar, não perdia a paixão pelo cinema, e fazia questão de percorrer as salas da cidade, assistindo a sessões contínuas.com um gosto e entusiasmo que o acompanhariam para o resto da sua vida.
Arranjou depois trabalho na Tabacaria Travassos, na baixa lisboeta, onde confessa que aprendeu mais sobre a vida do que se tivesse continuado na escola. Um autêntico Autodidata, frequentava a Biblioteca Nacional, visitava museus e ia assim desenvolvendo o seu gosto e conhecimento por tudo aquilo que o apaixonava.
Aos 18 anos integrou a equipa de filmagens de um filme do realizador Santos Matos, integrando depois o Cineclube Imagem. No início da década de 50, era já membro da direcção do Cineclube, e aí aliou a paixão que tinha pelo cinema, à luta antifascista, isto depois de ter passado anos a conviver com poetas, pintores, romancistas, cineastas e muito mais, ao balcão da Travassos e em tertúlias que se realizavam por Lisboa.
Como membro clandestino do Partido Comunista, foi preso sem julgamento algumas vezes, devido a passar filmes proibidos pela censura, ou que incentivavam à luta contra o fascismo. Começa a tornar-se conhecido pelos seus artigos sobre cinema de animação, e no começo dos anos 60, visita o primeiro festival de animação do mundo, em Annercy, representando o cineclube.
Foi colaborador com a editora Arcádia entre 1958 e 1961, antes de começar a trabalhar na livraria Bertrand, e é nela que aprofunda a sua paixão pela banda desenhada, editando a revista Tintim (de 1968 a 1982). Já tinha escrito artigos sobre a 9ª arte, mas depois de ter visto uma exposição de banda desenhada no Festival de cinema de Annecy, decide dedicar a sua vida mais ao cinema de animação e à banda desenhada.
A prova como teve importância no nosso país, é facilmente demonstrado em diversos exemplos, e um dos maiores, foi o facto de ter sido ele a primeira pessoa a usar o termo banda desenhada para se referir às revistas em quadradinhos, e foi esta expressão que ficou para sempre, quando nos referimos a esta arte. Foi num artigo para o Diário Popular, intitulado “O maravilhoso mundo da banda desenhada” que isso aconteceu, suprimindo do nosso léxico o termo histórias aos quadradinhos, e adaptando assim o termo francês “bande dessinée“.
Infelizmente continuava a sofrer com a perseguição da PIDE, sendo detido de novo em 1963, passando por diversas cadeias do estado, sendo vítima da tortura do sono entre outras coisas nada agradáveis. No final da década, integra a revista Phénix, e entra assim na década de 70 como uma das personalidades mais importantes deste género, representando o nosso país no Salone Internazionale dei comic em Itália.
Animou um dos primeiros fanzines de Portugal, o Quadrinhos, e editou a segunda série da revista Spirou, sendo ainda convidado para o júri do Salão Internacional de BD em Angoulême, em 1974 e 1975. Foi nessa altura que acabou por aparecer na RTP, a apresentar o programa sobre cinema de animação que teve mais de mil emissões, e divulgou junto de todos nós as mais diferentes escolas de cinema de todo o mundo.
A sua preocupação em passar uma mensagem de paz, fez com que desse prioridade às animações da Europa de Leste, mas não deixava de apresentar desenhos vindos de países como o Canadá ou os Estados Unidos. Daí os destaques eram dados aos cartoons de Tex Avery e à Pantera Cor de Rosa, tendo sido o primeiro a mostrar-nos esta animação, ficando conhecido por cá como o pai da pantera cor de rosa.
Criou o curso de cinema, que ficaria mais tarde conhecido como Associação Portuguesa de Cinema de Animação e esteve ligado à fundação da primeira livraria especializada de BD em Lisboa, O Mundo da Banda Desenhada, em 1978. Nos anos 80, com a sua presença regular na Televisão, torna-se uma das personagens mais conhecidas e queridas tanto pelos mais novos, como pelos mais velhos. Foi também convidado para ser membro do júri de um festival de animação na antiga Jugoslávia, provando o respeito que tinha por todos neste meio, por cá e lá fora.
É membro activo da RTP e da editora Bertrand até começo da década de 90, altura em que começa a dar aulas de Cinema de animação na Escola profissional de Imagem em Lisboa. As Edições Asa lançam um livro biográfico sobre a sua vida em 2002, e no ano seguinte é alvo de uma merecida homenagem no Festival Internacional de Banda Desenhada de Lisboa, na Amadora.
Faleceu a 4 de maio de 2009, aos 83 anos, vítima de uma doença respiratória. Deixou uma filha, Cecília, que mantém viva a memória do pai e a sua importância nesta Página do Facebook, de onde tirei as fotos aqui presentes. Um homem inteligente, bom comunicador, bom professor e de bem com a vida, sabendo o que queria desta e o que queria ensinar aos outros.
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Tenho boas memórias, uma imensa admiração e estima por este senhor.