Hoje relembrar uma daquelas histórias infantis que todos nós ouvimos enquanto crianças, a da Carochinha e do João Ratão era sem sombra de dúvida das mais populares. Tinha animais, tinha romance e tinha uma moral, os ingredientes necessários para entreter uma criança e tornar um conto infantil lendário.
Parece ser uma história tradicional Portuguesa, já apareceu em livros de António Rosado e Luísa Ducla Soares e era uma das histórias mais lidas às crianças nas décadas de 70 e 80. Confesso que gostava bastante, especialmente do final macabro que ela tem. Quem não sabia de cor a cantinela “Quem quer casar com a Carochinha“?
Vi informação de ser de um Francisco Simão, e essa versão é a que me lembro de ouvir e ler na minha infância. Colocarei essa e depois outra versão que parece mais actual.
Era uma vez uma Carochinha muito pretinha e muito luzidia que andava numa dobadoira a arrumar a cozinha. Qual não foi o seu espanto quando achou cinco réis, muito novinhos e amarelinhos.
Carochinha, começou a pular de contente. Depois, acabou de arrumar tudo muito bem arrumadinho, tirou o avental, compôs o vestido preto e foi pôr-se à janela, perguntando a quem passava:
– Quem quer casar com a Carochinha que é airosa e formosinha?
Neste momento passou por ali um porco do Alentejo, muito gordo e bem tratado, que grunhiu duas vezes:
– Quero eu, quero eu.
– Que é que tu comes? – perguntou a Carochinha que era muito lambareira.
– O que Deus dá, – respondeu o porco, que realmente tinha muito boa boca.
– Não me serves, – retorquiu a Carochinha, fazendo um amuo de enfado.
O porco pôs o focinho no chão, muito envergonhado e aborrecido, e foi-se embora.
– Quem quer casar com a Carochinha, que é airosa e formosinha?
– Quero eu, – respondeu o Gato das Botas das Sete Léguas, fazendo uma grande reverência à Carochinha.
– Que é que tu comes?
– Como tudo o que Deus dá, tendo certa preferência pelos carapaus pequeninos.
– Puf! Não me serves. Espero que Deus me há-de dar um marido mais fino do que tu.
O Gato das Botas das Sete Léguas espetou as orelhas, deu à cauda em sinal de despeito, e foi-se embora furioso.
Volta a Carochinha a perguntar:
– Quem quer casar com a Carochinha que é airosa e formosinha?
– Quero eu, – respondeu no seu vozeirão forte, um boi que ia puxar à nora.
– Que é que tu comes? – perguntou a gulosa da Carochinha.
– Como palha, feno, ervas, enfim tudo o que Deus dá para nosso sustento.
– Hum! Não me serves! Quero marido mais delicado do que tu.
O boi que era muito bonacheirão foi ruminando com a palha e as ervas que comera, estas palavras, muito sensatas:
– Forte tola! Deus me livre de tal mulherzinha!
– Quem quer casar com a Carochinha, que é airosa e formosinha? – esganiçou-se a perguntar a presumida da Carocha.
– Quero eu, – respondeu um ladino coelho, que ia a correr para um prado.
– Tu és muito bonito, – disse a Carochinha, a olhar para o pêlo lustroso do coelho. – O que é que comes?
– Ah! minha linda Carocha! Como ervas tenrinhas, troços de couves, cenouras…
A Carochinha fez uma careta de aborrecimento e despediu o coelhinho com estas enfadadas palavras:
– Que porcaria de comida! O meu marido há-de ser uma criatura de gostos mais finos.
O coelhinho que era muito garoto fez uma careta à Carochinha e, pernas para que te quero, aí vai ele até ao prado, onde saboreou uma rica erva que lá existia.
A Carocha, já muito arreliada, tornou a perguntar, esganiçando-se cada vez mais:
– Quem quer casar com a Carochinha, que é airosa e formosinha?
– Quero eu, – disse de além um ratinho de olhitos pretos e vivos, e de orelhas espetadas.
– Que é que tu comes?
– Ora o que há-de ser? Tudo o que é bom e que está nas despensas dos ricos: bom presunto, belo queijo, chouriços, paios, fiambre, toucinho entremeado, carne assada, muito tenrinha…
– Que rico marido eu encontrei, – respondeu radiante a nossa lambareira Carochinha.
Combinado o casamento, fez-se uma festa de truz. Houve um jantar tão cheio de petiscos e iguarias, que toda a bicharada dele falou durante muito tempo.
No Domingo, Carochinha vestiu o seu vestido de cetim preto, pôs um chapéuzinho impertinente com duas aigretes pretas e, toda vaidosa, foi à missa com o marido.
No meio do caminho, Carochinha, reparou que não tinha trazido as luvas.
Tolinha como era, ficou muito arreliada com o caso. «O que iriam pensar dela os bichos da vizinhança?» Uma senhora tão ilustre sem luvas!
O João Ratão – era este o nome do marido da Carochinha – logo, todo amável, voltou atrás a buscá-las.
Abriu a porta da sua casinha, e o seu paladar foi tentado, pelo rico cheirinho que se espalhava pela casa toda. Um cheirinho a toucinho que era mesmo um regalo.
Com a boca cheia de água, o nosso amigo aí vai, já esquecido das luvas, até à panela que fervia em lume brando.
João Ratão, destapou a panela e, gulosamente, meteu a mão para tirar um pedacinho do tentador toucinho mas, com tanta infelicidade o fez, que escorregou e caiu dentro da panela.
Carochinha esperou, esperou impacientemente, bateu o seu pézito calçado com botinha de verniz preto e, furiosa, foi a casa pronta a zangar-se com o João Ratão por a ter feito esperar tanto tempo.
Chegou lá e o coração deu-lhe um baque. A panela destapada, fazia com que se espalhasse pelo ar um cheiro a toucinho e a rato cozido.
Ah! o pobre João Ratão fora vítima da sua gulodice! Má hora aquela em que quisera casar com um guloso.
Talvez tivesse sido mais feliz se houvesse casado com um dos primeiros pretendentes: o porco, o gato, o boi… Todos tão simples, e tão frugais que se contentavam com qualquer comida.
Carochinha sentou-se num banquinho da cozinha, lavada em lágrimas. O banco, apesar de ser de pau, lá se comoveu com a sorte da Carochinha, e perguntou-lhe por que estava triste.
– Ora por que há-se ser, meu amigo? É que morreu o meu João Ratão.
– Então eu para compartilhar do teu desgosto, vou-me partir.
E bumba, o banco partiu-se e atirou com a Carochinha de pernas para o ar. Lá ficou a pobrezita deitada de costas a lamentar aquela triste ideia do banco.
«Partir-se para quê? Longe de remediar o seu mal, ainda por cima a deixava de costas, numa posição tão incómoda e de que custava tanto libertar-se.»
Após muitos esforços, conseguiu colocar-se na sua posição habitual e foi esconder-se atrás duma porta, para chorar à vontade a sua dor, sem ninguém a incomodar.
A porta, porém, apercebeu-se das lágrimas da Carochinha, e perguntou-lhe o que tinha.
– Valha-me Deus! Morreu o meu João Ratão.
– Pobre de ti! Quero acompanhar-te na tua mágoa. Vou-me pôr a abrir e a fechar; os meus gonzos chiarão e será esse o meu choro.
Mal dissera aquilo, a porta pôs-se a abrir e a fechar , e a Carochinha, se não desse um pulo, morria esmigalhada.
– Esta só pelo mafarrico! Para que quererão os outros partilhar, aparentemente, uma dor que não é sua?
Carochinha saiu de casa, pensando que ao ar livre estaria melhor. Foi sentar-se à sombra duma nogueira e começou a soluçar baixinho:
– Morreu o meu João Ratão!
A árvore que isto ouviu, pôs-se logo a lamentar a sorte da pobre Carocha e, querendo manifestar-lhe a sua pena, começou a deixar cair sobre ela todas as nozes que tinha.
Algumas magoaram bastante a pobrezita que, foi a correr pelos campos fora, sem ânimo para chorar a morte do seu João Ratão, não fossem outras coisas condoer-se da sua desdita e molestá-la mais ainda.
FIM
Era uma vez uma linda carochinha, que encontrou cinco réis enquanto varria a cozinha.
Com o dinheiro, foi comprar uns brincos, um colar e um anel, pôs-se à janela a perguntar:
– Quem quer casar com a carochinha que é tão linda e engraçadinha?
Passou um burro e respondeu:
– Quero eu!
– Como te chamas?
– Chamo-me im om, im om, im om.
– Eu não gosto de ti porque tens uma voz muito feia.
A carochinha voltou a perguntar:
– Quem quer casar com a carochinha que é tão linda e engraçadinha?
Passou um cão e respondeu:
– Quero eu!
– Como te chamas?
– Ão, ão, ão.
– Eu não gosto de ti porque tens uma voz muito grossa.
A carochinha voltou a perguntar:
– Quem quer casar com a carochinha que é tão linda e engraçadinha?
Passou um gato e respondeu:
– Quero eu!
– Como te chamas?
– Miau, miau, miau.
– Eu não gosto de ti porque tens uma voz muito fina.
A carochinha voltou a perguntar:
– Quem quer casar com a carochinha que é tão linda e engraçadinha?
Passou um rato e respondeu:
– Quero eu!
– Como te chamas?
– Chamo-me João Ratão.
– Tu sim, tens uma voz bonita, quero casar contigo.
A Carochinha convidou-o a entrar, pois tinham muito que conversar e uma data de casamento para marcar. Enviaram os convites, compraram a roupa e prepararam a boda a rigor com o senhor prior.
Domingo era o grande dia! A noiva foi a última a entrar na igreja e estava linda, de causar inveja. O João Ratão estava orgulhoso mas também muito nervoso. Trocaram juras de amor eterno e, no fim, choveu porque era Inverno.
Foi então que o João Ratão se lembrou da viagem ao Japão. Correu para casa, porque se tinha esquecido das luvas, mas sentiu um cheirinho gostoso e, acabou por ir espreitar o caldeirão. Pouco depois, a Carochinha achou melhor ir procurar o marido que estava a demorar.
– João Ratão, encontraste as luvas? chamou ela ao entrar.
Procurou, procurou quando chegou perto do caldeirão, quase desmaiou e gritou:
Ai o meu João Ratão, cozido e assado no caldeirão!
E assim acaba a história da linda Carochinha, que ficou sem o João Ratão, pois era guloso e caiu no caldeirão.