Voltamos a mais um Memórias dos Outros, desta vez Paulo Costa aborda a carreira de um dos maiores compositores de sempre, Vangelis. Conhecido pelos seus trabalhos em filmes de renome, Vangelis sempre foi um músico respeitado e também tinha os seus sucessos nos seus trabalhos a solo.
Alguém diga o nome de um artista musical grego? Demis Roussos… não, não é esse que estou a pensar. Este é compositor. E juntamente com John Williams é um dos mais proeminentes produtores de bandas sonoras de filmes das últimas décadas. O seu nome artístico é simples e fácil de pronunciar: Vangelis, mais conhecido por ter feito a música para filmes como “Momentos de Glória”, “Blade Runner: Perigo Iminente” e “1492: Cristóvão Colombo”, entre muitos outros.
O seu nome artístico pode ser fácil de pronunciar, mas o seu nome de baptismo, não. Evangelos Odysseas Papathanassiou nasceu a 29 de Março de 1943, na vila turística de Agria, situada na península de Volos. Embora gostasse de criar temas musicais, durante a infância teve muito pouco treino musical formal, preferindo dedicar-se à pintura, estudando na Academia de Belas Artes de Atenas. Quando os pais o inscreveram numa escola de música aos seis anos, Evangelos recusou-se a aprender a ler pautas, algo que ainda hoje admite não ser capaz de fazer.
Como muitos jovens dos anos 60, Evangelos sonhava ser uma estrela de rock. Pegando num grupo de amigos, formou a banda The Forminx, ensaiando uma mistura de covers e material original, mas sempre cantado em inglês. Lançaram uma dezena de singles em 1964 e 1965 e conseguiram algum sucesso, mas separaram-se no ano seguinte, sem nenhum álbum (uma compilação foi lançada finalmente lançada em 1976).
Em 1968, Vangelis juntou forças com o cantor Demis Roussos, o baterista Lukas Sideras e o instrumentalista Argiris Koulouris e partiram para Londres. Não conseguiram ir além de Paris, onde, inspirados pelo movimento sindicalista e estudantil do Maio de 68, fundaram a banda de rock progressivo Aphrodite’s Child, continuando a cantar em inglês. A banda grega lançou três albuns, “End of the World”, “It’s Five O’Clock” e “666”, antes de diferenças criativas levaram à dissolução da banda, em 1971, justamente quando o terceiro álbum estava a ser produzido. Vangelis e Demis continuaram amigos e colaboraram ocasionalmente nos anos seguintes.
Durante essa fase, Vangelis já se tinha dedicado a uma veia mais experimentalista nas suas composições feitas em estúdio, criando música com objectivos específicos. Algum material seu já tinha aparecido em filmes curtos do seu país natal, mas a sua vida em França permitiu-lhe estabelecer novos contactos e trabalhar com uma indústria cinematográfica profissional. A sua primeira banda sonora foi para “Sex-Power”, do realizador franco-romeno Henry Chapier, lançado em 1970 e que contava com a participação da atriz britânica Jane Birkin. O álbum tinha 11 músicas sem nome. Em 1973 seguiu-se o seu primeiro trabalho documental, “L’Apocalipse des Animaux”.
Novas experiência se seguiram. “Earth”, um disco mais pop rock de 1974, contou com a presença de Elie Robert Fitoussi, que nos anos 80 se tornaria conhecido como F.R. David. “La Fête Sauvage”, “Albedo 0.39” (de onde saiu a conhecida faixa “Pulstar”) e “Beauborg” eram mais experimentalistas. “Opera Sauvage” permitiu-lhe regressar à música clássica contemporânea com uma nova banda sonora de documentário, enquanto “China” já apontava mais para o futuro nascimento do synth pop.
“Heaven and Hell”, originalmente lançado em 1975, foi depois partido aos bocados para fornecer o tema de genérico e música de fundo para o documentário “Cosmos”, de Carl Sagan. Este álbum contou também com a presença de Jon Anderson, primeiro vocalista dos Yes, numa faixa. Isto deu origem a uma colaboração com o cantor inglês, resultando em três álbuns lançados sob o nome da banda Jon & Vangelis entre 1980 e 1983, “Short Stories”, “The Friends of Mr. Cairo” e “Private Collection”. A faixa mais conhecida desta colaboração é “I’ll Find My Way Home”, do segundo álbum, que chegou ao 6º lugar no UK Top 40. Anderson e Vangelis tinham-se conhecido anos antes quando o grego recusou o convite para integrar os Yes como teclista.
Mas é nos anos 80 que chega a consagração mundial para Vangelis, como compositor a solo. David Puttnam e Hugh Hudson, respectivamente produtor e realizador do filme “Momentos de Glória”, já tinham usado peças do músico grego em alguns filmes e documentários, e de início quiseram incluir a faixa “L’Enfant”, de “Opera Sauvage”, como tema de abertura do novo filme, mas Vangelis convenceu-os a usar uma nova composição, o agora icónico tema central do filme, depois usado ad nauseum em qualquer montagem em câmara lenta. Vangelis dedicou o tema de “Momentos de Glória” ao seu pai, também ele corredor. O filme foi um dos maiores sucessos de 1981. Três anos mais tarde, Steve Jobs escolheu o tema para o lançamento do primeiro computador Macintosh, e David Cooperfield usou-o no seu sexto espetáculo televisivo, “Floating over the Grand Canyon”.
Um ano depois, a convite de Ridley Scott, estava novamente ocupado a fazer a banda sonora de “Blade Runner”, baseado no livro de ficção científica de Phillip K. Dick, “Do Androids Dream of Electric Sheep”. Tanto os temas de abertura e encerramento como a peça de jazz “Love Theme” são imediatamente identificáveis, e todos os temas integram-se perfeitamente na viagem intimista do personagem principal e no clima depressivo da sociedade distópica do futuro. O filme japonês “Antarctica” (“Nankyoku Monogatari”) e “Revolta no Pacífico”, o terceiro filme baseado no motim do navio militar britânico Bounty (com Mel Gibson a interpretar o papel do tenente Christian Fletcher e Anthony Hopkins como capitão William Bligh) foram os trabalhos seguintes de Vangelis para o cinema.
Passou depois pelo teatro, onde escreveu música para as peças da antiguidade clássica “Elektra” e “Medeia”, onde os papéis foram interpretados pela actriz e cantora grega Irene Papas, e lançou as faixas inéditas de Jon & Vangelis num novo disco, “Page of Life”. Em 1991, Vangelis voltou a trabalhar com Ridley Scott, desta vez no filme “1492: Cristóvão Colombo”, com Gérard Depardieu no papel do navegador portu… perdão, genovês e Sigourney Weaver como a rainha Isabel de Castela. Tal como em “Momentos de Glória”, o uso de sintetizadores contrastava com a representação da antiguidade. O tema principal do novo filme, “Conquest of Paradise”, entrou nos tops de vendas de vários países europeus, e chegou também a ser abusado por tudo e todos, como tema do boxeador alemão Henry Maske ou da campanha do Partido Socialista às eleições legislativas de 1995.
Seguiram-se novos álbuns, nomeadamente “Voices”, onde participaram vários vocalistas convidados, incluindo Paul Young e Stina Nordenstam, em 1995, e um álbum inspirado no trabalho do pintor pós-bizantino El Greco (Domenicos Theotokopoulos), em 1998. Curiosamente, Vangelis fez um novo álbum intitulado “El Greco”, em 2007, mas desta vez para a banda sonora do filme homónimo que estreou nesse ano. Antes disso, no entanto, escreveu um álbum dedicado à missão Mars Odyssey da NASA, em 2001, intitulado “Mythodea”, e fez a banda sonora do filme “Alexandre, o Grande”, em 2004.
Mesmo hoje em dia, com 72 anos, Vangelis não está parado, continuando a responder a solicitações para compor temas oficiais de eventos e novas bandas sonoras, inclusive transformando as músicas de “Momentos de Glória” para poderem ser tocadas na peça de teatro inspirada no filme. Fora da música, a sua arte pintada esteve em tournée na América do Sul, em 2005.
Texto de Paulo Costa, repórter da Autosport e uma autoridade em diversos aspectos devido ao seu conhecimento enciclopédico